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Os muros da escola

06/01/11

Acabo de ver o excelente Entre les murs (Entre os muros da escola, de Laurent Cantet). Algumas notas:

1) A escola como reprodutora da desigualdade social fica bem evidente. Tenho a impressão que o estrangeiro na escola torna isso ainda mais concreto e evidente.

1.1) Os alunos cujos pais não falam francês e não são escolarizados sofrem mais. A escola é apenas parte do processo de aprendizagem. Se não há pais atentos, dispostos a compartilhar a aprendizagem escolar, aos poucos, o aluno vai desistindo. Aqui temos um problema importante: se a maior parte da famílias trata o poder simbólico como trivialidade – o exemplo da conjugação verbal no subjuntivo – como esperar que a escola consiga fazer seu trabalho? E como a escola pode bolar estratégias para fisgar justamente esse aluno sem apoio familiar?

2) Do ponto de vista psicanalítico, a escola traz à tona relações transferenciais importantes.

2.1) Do lado do professor, há o desejo onipotente de transmitir o saber, de “guiar” os alunos, de levá-los para o caminho do bem.

2.2) Do lado dos alunos, há sempre o desejo de serem ouvidos, de serem atendidos, de não cumprirem as regras – como prova de amor, talvez.

3) A síndrome de burn out fala justamente da crença que o sujeito tem de que o resultado do trabalho não compensa o esforço. O trabalho é puro sacrifício. Ouço relatos – e no filme há uma cena de um professor desabafando – dos professores se queixando de que os alunos não querem nada, não leem nada, que são medíocres, que estão sempre a plagiar, copiar, colar, que se recusam de maneira sistemática a pensar.

4) Do lado dos alunos as reclamações não são menos numerosas. O professor é extremamente agressivo, exigente, autoritário. Os alunos sempre se queixam das injustiças das provas. Elas são, na verdade, apenas mais uma violência do professor – servem apenas para mostrar o seu poder. Alunos reclamam sempre de que não são ouvidos. Não são avaliados individualmente, no que diz respeito à sua “particularidade”.

4.1) Convenhamos: são anos de escola que ensina um “saber” que não serve para nada. Há um problema sério quanto à metodologia de ensino. Muitos adolescentes reclamam: para que aprender isso e aquilo? O saber tende a ser bem pouco prático… mais uma vez a impressão é que o saber tem mais a função de ser simples violência simbólica do que um conjunto de crenças que podem me auxiliar a melhorar ou reconstruir o mundo onde vivo… Faz todo o sentido sua recusa por parte dos alunos, não?

5) Tenho dado aulas em faculdades – públicas e privadas – há 12 anos. A impressão que tenho é que ambos os lados estão certos. Professores estão realmente cansados da falta de reciprocidade. Alunos estão realmente entediados frente a saberes tão pouco práticos. A relação pedagógica parece mesmo aquelas relações amorosas nas quais os cônjuges se mantem juntos apenas para brigar um com o outro. (Um pouco como aquele casal de Who’s afraid of Virginia Woolf, de Albee).

5.1) O curioso caso de quando os professores são avaliados pelos alunos por instrumentos tipo questionário de valoração: o mesmo professor é avaliado como excelente por 70% da sala e péssimo para 5 ou 10%… (ou vice-versa!). Obviamente, os professores também têm raiva dessas avaliações… Como avaliá-los? Como tentar controlar melhor os afetos nesse momento?

6) O fracasso escolar é, antes de tudo, o fracasso da escola. Colocar a culpa no aluno parece duplamente perverso: esquecemos que a escola é uma instituição que sempre esteve ligada à distinção (Bourdieu), isto é, ao incremento das diferenças sociais, à atribuição de poder simbólico a uns e à destituição recíproca a outros… ao culpar o aluno, a escola, além de se eximir, duplica a violência da exclusão.

7) Por outro lado, há um pacto da mediocridade – acredito, oriundo desse fracasso “escolar” – da instituição escola – que faz aparecer o aluno absolutamente incompetente e avesso ao saber. Esse é o ponto central dos afetos na escola. É em torno desse aluno que os afetos vão ficar mais fortes, mais violentos.

8) A aluna que ri sem parar na reunião dos professores, que responde com arrogância, que provoca… é essa aluna o alvo do ódio do professor. Ao chamá-la de pétasse (vagabunda), o professor perde a razão. Essa mesma aluna, lembremos, é a que leu La République, de Platão… O que faltou? Um método mais adequado para incluir mais o aluno? Lembremos de Os Anormais, de Foucault: a criança masturbadora, o louco… e o retardado… esse último, o incapaz de ser bem escolarizado, é também um sintoma dessa relação de normalização, de padronização.

9) A relação pedagógica – sendo o campo transferencial que é – está repleta de fantasias de uma relação que pode ser o “bom encontro”, no qual todos sairão bem e felizes. É preciso estudar bem esse ideal: sempre perigoso e exigente demais. Se do lado do aluno temos a mediocridade, do lado do professor, temos a desistência… (Lembro de um professor que tive numa pós em filosofia… antes mesmo de apresentar a teoria do filósofo, ele dizia: “não importa se vocês acham se ele está certo ou não… se achar, tudo bem e se não, tudo bem também…” Ou seja, a crítica, com o tempo, foi-lhe tomando o aspecto de “burrice” contra a qual não valia a pena se opor… o resultado não compensa o sacrifício).

10) Por fim, insisto: a relação pedagógica é uma relação amorosa com todas as vicissitudes próprias desse tipo de arranjo. Ódio, amor, sedução, desilusão… tudo isso deve ser levado em consideração, assim como, claro, as condições práticas, sociais, políticas da instalação desse jogo.

Sobre a síndrome do burn out, uma matéria resumida e bem explicativa: http://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/824508-transtorno-psiquico-burn-out-ataca-desiludidos-com-o-proprio-trabalho.shtml

Aqui uma entrevista interessante com o diretor do filme: http://g1.globo.com/Noticias/Cinema/0,,MUL1039085-7086,00.html