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Contingência e injustiça – 4

30/12/10

Acabo de ler Fora de Série – Outliers, de Macolm Gladwell. O livro é excelente. A tese do autor é que o sucesso individual está profundamente ligado às condições econômicas, sociais e morais nas quais o sujeito se encontra durante a vida. Ele traz diversos exemplos de casos nos quais aparentemente o sucesso é fruto apenas do esforço individual, mas que sempre encontram muitos outros fatores que contribuíram para o crescimento daquele sujeito em particular.

O primeiro capítulo tem como epígrafe a passagem de Mateus, 25:29: “Porque a todo aquele que tem será dado e terá em abundância; mas daquele que não tem, até o que tem lhe será tirado”. A ideia aqui é simples: quem tem as condições adequadas, no momento certo, para o sucesso, ganhará mais. Quem não tem perderá mais. Um exemplo muito curioso é o caso dos jogadores de hóquei no gelo no Canadá. Uma pesquisa mostrou que a maioria dos jogadores das principais ligas nasceu nos primeiros meses do ano. Isso se deve à vantagem que esses meninos vão ter sobre os outros no momento das seletivas. A seletiva é no final do ano: se dois meninos de 10 anos competem a chance dos que nasceram no início do ano serem mais fortes é maior. Essa pequena vantagem – contingencial, pois poderíamos fazer várias seletivas por ano… – se transforma numa exclusão de quase todas as crianças nascidas fora das datas “propícias”.

Bill Gates, os Beatles e outros casos de sucesso são analisados com muita clareza no livro. Todos eles mostram um padrão bem curioso: muita prática – cerca de 10 mil horas de prática! – e as condições adequadas devem estar juntas para que haja sucesso nessa sociedade “meritocrática”. O mérito “individual”, na verdade, é social também e principalmente. Pensemos nos casos que Gladwell compara de dois homens de QI elevadíssimo. O primeiro teve uma família terrível: muita violência doméstica, muito desquilíbrio emocional. O outro teve uma família que o apoiava, além das condições econômicas para desenvolver sua inteligência nas melhores universidades do mundo. O destino dos dois foi completamente diferente mesmo tendo os dois o mesmo QI.

Enfim, o livro desmonta com maestria o mito do selfmade man. As contingências biológicas e sociais – nossa beleza física, nossa inteligência, nossa habilidade corporal, a riqueza de nossa família, a estabilidade econômica do nosso país – do nosso nascimento devem ser levadas – e muito! – em consideração antes de analisarmos a (in)justiça de nossa posição social.